Vale começar com um truísmo: pensamento crítico é pensar, atividade humana que a escola deve valorizar, superando a mera memorização e a repetição de conteúdos que pouco tenham a ver com a realidade de adolescentes e jovens que frequentam a escola. Até mesmo os processos seletivos para ingresso em universidades demandam, cada vez mais, o trabalho de reflexão e de análise mais refinadas na identificação de respostas “certas” nos grandes exames vestibulares.
Colocam-se questões que exigem mais do que o acúmulo de informações para serem respondidas. Cobra-se capacidade crítica de pensar. Esta exigência vale para temas relevantes em cada campo de conhecimento e para questões cuja abordagem atualizada já as coloca na perspectiva da transdisciplinaridade, exigindo esta a superação das fronteiras tradicionais entre campos de conhecimento.
Pensamento crítico na escola: o papel de professores e alunos
A reflexão sobre os meios de estimular o pensamento crítico na escola pode ser conduzida a partir de dois pontos de vista, o de quem está ali para ensinar – professor e professora – e o de quem está ali para aprender – aluno e aluna.
De um lado, colocam-se os desafios de organizar planos de ensino e de conceber formas eficientes de motivação para a aprendizagem de conteúdos complexos. Do outro lado, estão pessoas que vão ser introduzidas no mundo do conhecimento já consolidado sobre fenômenos naturais e humanos, conhecimento que não pode mais ser encarado como simples e de fácil aquisição, dada a complexidade que o caracteriza neste estágio de desenvolvimento da humanidade.
E não se esqueça que o processo educacional, na atualidade, é ele mesmo objeto de polêmicas sobre o que deve (ou não deve) ser ensinado na escola. Em tal contexto, promover e estimular o pensamento crítico é um desafio e tanto!
Os desafios durante o processo
Em uma primeira abordagem, vejamos como tal desafio se apresenta para cada lado. Na perspectiva do planejamento das atividades escolares, cabe aos mestres, no universo do conhecimento consolidado, identificar conceitos, teorias e teses que estão sendo objeto de revisão no plano de pesquisas científicas.
Assim procedendo, mostram, em primeiro lugar, que o processo de produção de conhecimento sobre fenômenos naturais e humanos é dinâmico e que a inovação no campo das ciências resulta do constante exercício de um olhar crítico aplicado sobre o já sabido, que não é aceito como verdade definitiva e incontestável.
Mostram, em segundo lugar, que o avanço do conhecimento sobre fenômenos naturais e humanos tem consequências no mundo real, impondo revisões nos modos de conviver e de fazer as coisas. Em tal contexto, cabe aos mestres identificar as polêmicas que movimentam a esfera pública, que opõem opiniões sobre a solução que deve prevalecer para problemas que afetam coletividades inteiras e, em muitos casos, a humanidade inteira. São questões complexas, cuja compreensão completa e abrangente, implica, cada vez mais, a adoção de abordagens transdisciplinares.
Diversos temas em debate
Nessa perspectiva, cabe à escola estimular a realização de atividades que integrem as várias disciplinas na busca de uma visão sistêmica, holística mesmo, de polêmicas relevantes, que empolgam debates no plano público. Trata-se de estimular a compreensão de todos os ângulos de uma questão complexa, que demande posicionamento sobre o que fazer para solucionar um problema real que afete a convivência coletiva, referido a fenômeno natural ou humano.
Exemplos: o que fazer para impedir o avanço do aquecimento do planeta e os impactos dramáticos das mudanças climáticas (vamos ter guerras para acesso a recursos hídricos?); como evitar epidemias globais, que causam mortes e sequelas duradouras em sobreviventes (vamos ter novas pandemias?); como diminuir a pobreza global (o mundo rico vai ser invadido pelos pobres da terra?); como evitar o uso da inteligência artificial para finalidades criminosas (o mundo humano vai ser dominado por máquinas?).
Ano letivo x tempo de hoje
Do seu lado, alunos e alunas, que são adolescentes e jovens vivendo em um mundo conectado pela internet e movimentado pelas redes sociais, apropriam-se do conhecimento seletivamente, visualizando problemas e polêmicas nem sempre percebidos e tratados nas salas de aula por seus mestres. Estes se orientam por planos de ensino concebidos na perspectiva do ano letivo e não do tempo emocional de adolescentes e jovens, o tempo de hoje.
Em tal contexto, cabe à escola a tarefa de promover o levantamento e caracterização das questões que seus alunos e alunas identificam como polêmicas aos seus olhos, envolvendo opiniões e posicionamentos diversos, às vezes antagônicos. Não se espera que as questões que perturbam os adolescentes e jovens caibam naturalmente nos planos de ensino.
Condições para estimular o pensamento crítico
Mas, cabe à escola propiciar as condições para que essas questões, devidamente colocadas como temas para debate transdisciplinar no mundo de hoje em fórum para isto a ser criado como parte do planejamento anual, por exemplo, o Projeto Meu Mundo – Um Mundo Melhor.
Trata-se de promover espaços de esclarecimento e troca de ideias, nos quais as diferentes disciplinas contribuam para a visão completa e abrangente das questões que preocupam e perturbam alunos e alunas. Assim procedendo, a escola cumpre o papel de oferecer os elementos para a fundamentação das opiniões que venham a se contrapor em arrazoados bem informados para facilitar posicionamentos.
É essencial que o projeto seja conduzido com equilíbrio e firmeza por mestres que se disponham a assumir mais um papel no plano educacional: além de ensinar uma disciplina, o de mentores do processo de amadurecimento intelectual e crítico de alunos e alunas, assim contribuindo para preparar adolescentes e jovens para enfrentarem os desafios colocados para a humanidade no atual estágio de desenvolvimento da civilização. São desafios cuja solução demanda, cada vez mais, em razão de sua complexidade, o exercício permanente do pensamento crítico.
Vera Alice Cardoso Silva
Professora aposentada do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Doutora em História Econômica, Social e Política da América Latina pela Universidade de Illinois em Urbana – Estados Unidos. Mestre em Ciência Política pela UFMG. Participou de pesquisas e do projeto de reforma do ensino médio do Sistema SESI de Ensino. Atualmente, é pesquisadora associada do Instituto Cultural Amílcar Martins.